domingo, 2 de maio de 2010

HIROSHIMA MON AMOUR (1959) - Alain Resnais


Sinopse: Hiroshima, 1959. Uma atriz francesa casada (Emmanuelle Riva) veio de Paris para trabalhar num filme sobre a paz. Ela tem um caso com um arquiteto japonês (Eiji Okada) também casado, cuja esposa está viajando. Nos dois dias que passam juntos várias lembranças vêm à tona enquanto esperam, de forma aflita, a hora da partida dela.

*fonte: www.makingoff.org

Sem dúvida uma obra prima de Resnais. Levando em conta, ainda, que este é o primeiro longa de ficção do diretor, vê-se o domínio que ele tem da arte.
Habituado com o documentário, Resnais opta por um início da ficção com imagens documentais dos resultados da bomba atômica em Hiroshima, numa montagem alternada com a cena de um casal (a princípio sem identidade pela proximidade da câmera aos corpos) que dialoga. Seus corpos estão cobertos por uma poeira cinza que nos dá a impressão de estarem debaixo de escombros; numa analogia direta às cinzas que a bomba deixou em Hiroshima.
É interessante notar que a voz da amante vai narrando o que as imagens vão mostrando, como num real documentário, porém o homem volta e meia contradiz a amante. Dizendo que ela não viu o que relata ter visto, que ela não conhece o que afirma conhecer. Isso aparece como uma dúvida do personagem japonês para com a francesa, como se ela não soubesse o sofrimento que foi a queda da bomba, como se os ocidentais não pudessem sentir na pele o que aconteceu com os japoneses - "neste dia, estava um lindo dia de sol em Paris" relacionando com o dia da bomba em Hiroshima - Ao longo da história, a francesa (passarei a chamar o casal do filme pelas nacionalidades, visto não possuírem nomes diegéticos) vai demonstrando os estragos que a guerra causou à sua vida, e provará que os ocidentais sofreram tanto quanto os orientais durante a guerra, pois mais do que acabar com vidas, a guerra acabou com grandes amores, o que, no filme, aparece como o sentido da vida principalmente da francesa.
Conforme passam-se as imagens documentais, vamos vendo a reconstrução de Hiroshima. Nos últimos planos dessas imagens, a câmera vai explorando a cidade como se fosse um trem que percorre as ruas, relacionando a continua persistência dos japoneses na reconstrução da cidade. Diversas vezes os personagens falam em rios que estão por toda parte, esses rios que não param de correr, que independente do que aconteça, eles continuam seu caminho, cada um com suas características, seja o rio de Hiroshima que talvez jamais vá ter seus peixes sadios novamente, seja o rio da cidade natal da francesa, Nevers, que é inavegável, por seus muitos bancos de areia.
Logo o filme abandona seus traços documentais e passa para um enredo em que a problemática é posta logo no início: os amantes têm apenas um dia juntos, pois no dia seguinte a francesa voltará para Paris. A narrativa então passa a girar em torno disso, o japonês quer que ela fique enquanto apesar da vontade dela de querer ficar, há algo que a impede; provavelmente o fato dos dois possuírem família. Mas parece haver algo mais da parte da francesa que em momento algum fica explícito. A profundidade desta personagem é incrível e a performance de Emmanuelle Riva consagra uma importância forte a esta personagem que nos instiga do início ao final do filme. Ela parece sempre esconder algo do espectador, algo que ela não revela e que faz com que imaginemos mil coisas.
Neste meio tempo, em que o japonês tenta convencê-la a ficar em Hiroshima, a francesa diz estar em Hiroshima para fazer um filme. - aqui uma ironia no sentido dúbio de sua fala - Está ela falando do filme diegético ou, de fato, do filme de Resnais? Ambos são filmes que fazem um apelo pela paz, e em ambos ela atua. "Afinal de contas, se fazem tantos filmes publicitários sobre sabão. Por que não um sobre a paz?" O filme está repleto destes diálogos dúbios que fazem o espectador refletir para quem se destina tais falas tão bem formuladas.
Detemo-nos, então, num ponto chave do filme. No diálogo que ela tem com o japonês momentos antes da partida, onde ela lhe conta sobre seu tempo de louca em Nevers. Uma loucura causada pela morte de seu antigo amor, um alemão. É neste diálogo (ou praticamente um monólogo da francesa) que vemos a profundidade da personagem, e o significado do amor para ela. Em meio aos seus flashbacks em que conta a história ao japonês, de seu tempo louca, vemos que a personagem se dirige ao japonês como sendo ele em quem ela pensava, mas numa linha temporal linear isso seria impossível, visto que ela conheceu o japonês anos depois de ter ficado louca. Aí vemos que a personagem lida com o amor como uma coisa só, independente do homem pelo qual ela sente o amor; se o alemão ou se o japonês, isso é irrelevante para a personagem, por isso ela disse pensar no japonês, quando na verdade pensava no seu amor que à época era o alemão, mas que no tempo atual da narrativa passa a ser o japonês. Resnais cria esse ponto de vista da personagem de forma magnífica, onde ressalta o valor do amor para o ser humano para além dos limites de fronteiras, as fronteiras são meramente políticas e o amor não respeita isso, é mais que isso. Se o alemão ou japonês são inimigos políticos da França, isso já não se espelha no plano civil, ou humano. O amor é algo mais que a guerra. Isso fica bem explícito no momento em que ela diz ter gritado “o teu nome em alemão” quando fala com o japonês.
E aí está outra curiosidade do filme. Os personagens não possuem nomes. O que elimina a individualidade entre as pessoas, mostrando-nos a indiferença em se tratar de um ou outro ser humano. Porém, ao final, os personagens principais passam a chamar um ao outro pelo nome de suas respectivas cidades, ele Hiroshima, ela Nevers. Uma contradição ao que foi posto até ali? Ou um belo apontamento crítico para o que somos induzidos a considerar-nos uns aos outros?


Creio que minha leitura de "Hiroshima mon amour" está aí, porém é bem óbvio que pelo alcance artístico da obra hajam milhares de outras leituras, e é bem provável que noutra ocasião, ao rever o filme, eu mesmo faça considerações bastante diferentes. Se alguém quiser contribuir, fica em aberto ainda esse e todos os textos e análises. Se alguém achar absurdo e errado algum apontamento meu, aceito críticas da crítica também!

Um comentário:

  1. Guilherme, ainda não vi este filme. Mas achei sua leitura bem interessante, me deu vontade de ver o filme. Siga em frente com suas críticas!
    Daniela

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